
Pode-se afirmar que a polêmica de o romance Condenada, de Chuck Palahniuk, de 2011, satirizar diversas minorias, como os homossexuais, os idosos, os imigrantes, os judeus, os afrodescendentes, as feministas, deve-se ao fato de enquadrá-las tão somente à fala da protagonista Madison eivada de críticas ao cinismo da política econômica dos Estados Unidos e, principalmente, dos seus pais democratas. Como um dos exemplos mais significativos e caricaturais do livro, no capítulo XV, há uma descrição oportuna de uma das defesas da mãe de Madison ao tratar do tema da imigração. Para ela, as mulheres de alguma teocracia radical estariam bem empregadas como massagistas ou manicures nos bastidores de uma produção hollywoodiana de filmes elevando o nível das narrativas cinematográficas e tornando-se predadoras sexuais ao comprar unhas de acrílico – assim também como o ápice da democratização cultural estaria no poder de compra das minorias em relação aos próprios filmes. Na perspectiva de Madison, fica claro como a política de integração socioeconômica é baseada num padrão de sucesso que serve à imposição de um modelo de ganhos e de gastos de capital e como o discurso do neoliberalismo econômico empreende uma cultura da exploração como se fosse libertação. É nesse ponto que o entendimento sobre o poder simbólico do consumo de Palahniuk aproxima-se mais das ideias do historiador Russel Jacoby que das alegações realizadas pelo semiólogo Jesús Martín-Barbero. Para Barbero, pelo fato de o consumo não somente ser uma reprodução de forças, mas também um espaço de produção de sentidos, é necessário que esse fenômeno social de gasto de capital não seja meramente compreendido pela posse dos objetos, já que os usos na cena do consumo geram formas sociais que manifestam demandas e estratégias advindas de uma série de dimensões culturais. Contrariamente, Jacoby afirma que a especialização dos segmentos culturais no consumo não estabelece identidades capazes de enfrentamento contra as forças homogeneizadoras da sociedade industrial avançada. Embora, às vezes, possa ocorrer um detalhamento maior de um produto ou de um serviço para atender as características de um nicho cultural específico no mercado, o historiador Russel Jacoby não reconhece aí um espaço de luta para a afirmação de uma identidade, e sim um processo de fetichização da diferença que, ao agregar valor à mercadoria ou ao serviço, alinha-os aos padrões de atividades e de desejos já substancialmente propagados pelos modelos de ganho e de gasto de capital – a integração das diferenças pela cena do consumo permite fantasiá-las na norma. Interessante notar como a crítica de Palahniuk às estratégias e às referências da política de identidade cultural estadunidense vai evoluindo ainda mais a partir do capítulo XXVII. Assumindo as influências do pensamento de Foucault a respeito da dinâmica do poder, os principais teóricos dos estudos culturais, tal como Stuart Hall e Jesús Martín-Barbero, tenderam a declarar que os focos de disputas de representatividade socioculturais são particulares (não centrados em vontades universalizadas), pontuais (variáveis de acordo com as circunstâncias) e negociáveis (móveis dentro das articulações de poder); portanto, foi no campo da indefinição e da flexibilidade que os estudos culturais reconheceram sua possibilidade de encenar um terreno político para falar de identidades. Tal estratégia culturalista parece agigantar-se no capítulo XXVII de Condenada, quando Madison afirma que é a identidade fixa que serve de instrumento de tortura para as representações humanas no inferno, e mais ainda se torna preponderante no capítulo XXX, quando a protagonista utiliza o recurso da mobilidade identitária como oportunidade de enfrentamento do demônio Baal no inferno, que apenas pensa a lógica do poder pelo viés unilateral e preserva a estereotipia como comando. No capítulo XXXI, ao continuar com essa mesma tática política, Madison derrota lideranças históricas no inferno e ascende como nova líder, conquistando multidões; entretanto, como consequência, ela realiza uma política de integração tornando essas representações sociais bem-ajustadas e produtivas dentro de um projeto de geração de empregos que serve para ocupá-las eras a fio, exclusivamente. Ainda nesse mesmo capítulo ocorre outra revelação para Madison: o seu teste de culpabilidade resulta-lhe em inocência, ou seja, ela não deveria estar no inferno, e sim no céu. A partir disso, nota-se a sátira corrosiva de Palahniuk que tanto serviria para as tradicionais como para as novas lideranças políticas: aqueles que deveriam estar no céu são os que mais levam os outros ao inferno – Madison, no caso, é uma das que mais contribuíram com a lotação do inferno na função de operadora de telemarketing e a que mais conseguiu entorpecer as massas com o seu perfil de liderança. A visão de Chuck Palahniuk é de que isto que se chama de novas lideranças a partir das políticas multiculturalistas, em verdade, preserva a lógica exploratória do capital financeiro internacional, pois atende à demanda de mais posicionamento de postos de trabalho e de mais consumidores para manter o aquecimento do mercado. Dessa forma, a economia real (baseada em produção e serviços) pode sustentar o parasitismo da economia virtual (baseada em empréstimos e cobranças). Como Russel Jacoby denuncia, o maior problema das políticas multiculturalistas são as suas contínuas declarações de mudanças em meio ao predomínio da uniformidade da política econômica.