O sistema de reserva bancária fracionada e a acumulação de juros compostos aumentam a necessidade da moeda por meio da dívida e é na dívida que a moeda (criada do nada) demonstra seu maior poder. Quanto mais o endividamento cresce, mais há a urgência de capital circulante para o sustento da própria elevação da dívida, e o dinheiro jorrado no mercado nessa circunstância aparece com certa depreciação por causa do custo inflacionado de mais emissão. Se esse mecanismo de dívida estimulando geração de moeda tende a se exponencializar como uma projeção infinita, então serviços e produtos devem ser ajustados a essa perspectiva. Nesse sentido é que se deve comentar uma das consequências do endividamento monetário do Estado e do cidadão: o estímulo ao desperdício e à irrelevância dos serviços.
Como ilustrações pertinentes, no romance Condenada, de Chuck Palhaniuk, de 2011, no capítulo XIII, a mãe da protagonista Madison, ao ser escolhida para a leitura do vencedor do Oscar de melhor filme, compra um bilhão de envelopes dourados com cartões brancos apenas para treinar o momento de entrega da estatueta. Nesse mesmo capítulo, Madison comenta que os pais fundaram uma entidade beneficente que emprega relações públicas para emitir press releases que divulgam a generosidade deles. É óbvio que o desperdício de produtos, tais como os cartões comprados pela mãe de Madison, liga-se à sustentação de serviços sem qualquer relevância, envolvidos na produção, na venda ou na publicidade. A descartabilidade dos produtos impulsiona o obsessivo consumismo e gera, igualmente, empregos descartáveis e sem importância para o crescimento pessoal ou para uma possível contribuição social. Nessa dimensão, segundo Bauman, a cena do consumo, com a concepção de que a manipulação da transitoriedade é um privilégio e de que a ponderação sobre a durabilidade é um sintoma de privação, acaba por dar ao emprego o mesmo valor do efêmero, de uma flexibilidade que interpreta compromissos como obstáculos de oportunidades futuras. Acontece que, embora a alta rotatividade nos empregos encontre elogios quando se analisa o fenômeno do surgimento da geração Y, na realidade, a supervalorização da transitoriedade e da flexibilidade em postos de trabalho permite o aumento de serviços com contratos de curto prazo ou sem quaisquer contratos, combinado à elevação da ausência de cobertura previdenciária. No capítulo seguinte, o romance de Chuck Palahniuk ironiza uma das profissões que mais proliferam nos mercados globais de serviços e que menos aparecem: o operador de telemarketing. Os operadores de telemarketing lubrificam toda uma série de serviços pertinentes à venda dos produtos mas, de nenhuma maneira, a contínua aceleração do consumo reverbera em recompensas no âmbito profissional. Esse emprego é um dos mais desgastantes fisicamente (por movimentos repetitivos) ou psicologicamente (por lidar com diversas pessoas indispostas ao serviço ofertado). Não é à toa que Palahniuk compara os operadores de telemarketing a pessoas mortas que habitam o inferno: embora fortaleçam o sistema de vendas do capitalismo pós-industrial, são rejeitados como modelo de emprego, são hostilizados muitas vezes pelos setores gerenciais da empresa ou pelos consumidores e, em meio ao automatismo da função, perdem a criatividade e a espontaneidade (não pertinentes ao exercício do trabalho). Outra comparação realizada é a dos operadores de telemarketing com os modelos pornô da internet: para a protagonista do romance, a expressão da morte reside em ambos. Se, por um lado, o desgaste constante e a falta de liberdade criativa na profissão de operador de telemarketing robotizam o comportamento humano com seus protocolos repetitivos de fala e de atendimento; por outro lado, a excitação advinda das fotos pornográficas da Internet exprime intensamente o caráter remoto dos atos sexuais ali encenados – aqueles que veem as fotos fingem realidade estando distantes da ação, e os modelos que são envolvidos na montagem do ato sexual distanciam-se da realidade fingindo o sexo. Como metonímia de uma parte considerável dos empregos contemporâneos, os operadores de telemarketing se definem pela morte: o esvaziamento da criação ou da própria ação modula comportamentos e paralisa a possibilidade de uma atividade que instigue soluções inusitadas e significativas.