Em meio ao discurso da austeridade fiscal, Laura Carvalho e Pedro Rossi, no artigo Mitos fiscais, dívida pública e tamanho do Estado, de 2020, identificaram um padrão no âmbito da estratégia retórica que defende tal política econômica: o estabelecimento de uma equivalência entre o gasto público e o gasto pessoal. Esse símile para a política econômica, conforme os autores, apresenta o moralismo ilustrado no conto da cigarra e da formiga como uma virtude e despreza a incompatibilidade entre gastos públicos e gastos pessoais. Sendo mais específico, essa igualdade entre a economia como política do governo e a economia como organização de recursos na esfera doméstica apaga a complexidade dos efeitos do gasto público, ao desconsiderar seu efeito incentivador de capilaridade e de multiplicação de capital quando injetado, de forma estudada e com volume, como investimento no setor produtivo. Embora Carvalho e Rossi possam ter reconhecido um padrão de utilização de recurso retórico no discurso importado da austeridade fiscal, é preciso afirmar o emprego do símile entre economia do governo na esfera pública e da pessoa na esfera doméstica não como uma exclusividade dos governos Temer e Bolsonaro. O próprio presidente Lula, desde os três primeiros anos de governo em que se estabeleceu um ajuste fiscal e uma política de controle da inflação pela adoção de juros mais elevados, tornou comum às suas falas sobre Economia a aproximação entre o orçamento doméstico e o orçamento público como forma de promover uma compreensão a uma audiência mais popular dos mecanismos de controle estipulados pelo ministro Antonio Palocci.