São Tomás de Aquino, em “Se podemos merecer os bens temporais”, décimo artigo da 114ª questão do Tratado da graça da Suma Teológica, consegue responder, ao modo da doutrina católica, a uma questão de ordem moral que é perseguida desde a Antiguidade Clássica: por que os injustos conseguem angariar fortunas, e os justos podem sofrer penas de uma vida de misérias? Como exemplo dessa investigação, a comédia Pluto, de Aristófanes, em IV a.C., tematizou exatamente a incoerência entre a distribuição assimétrica das riquezas e o comportamento respeitoso com os deuses ajustada à prática de ações honestas e corretas dos cidadãos. Na mitologia grega, inclusive, o deus Pluto, alegoria da riqueza, para representar essa ausência de correspondência entre a conduta moral exemplar e a garantia de riquezas, é caracterizado como cego – e a explicação advinda desse mito é geralmente associada ao fato de Zeus, prenunciando o poder mensurado a esse deus, cegá-lo para evitar hegemonia futura dele acima dos outros deuses. Tal evento é recontado pela comédia Pluto, de Aristófanes, demonstrando uma crítica do comediógrafo em que fica evidente de que, como os homens, as divindades (Zeus como modelo maior) não favorecem aos justos, e sim aos seus próprios interesses e para preservar seus próprios privilégios.

“CRÊMILO – E como lhe aconteceu a desgraça de ficar cego? Me conte! / PLUTO – Foi Zeus quem me fez isto, despeitado por causa dos homens. Há muito tempo eu ameaçava de favorecer somente as pessoas justas, sábias e honestas. Então ele me cegou para me impedir de reconhecer as pessoas. Vejam até quanto vai o despeito dele contra as pessoas de bem!” (ARISTÓFANES. Obra completa. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p.627).

A manutenção da divisão entre os bens temporais ou materiais e os bens espirituais e revelatórios da salvação explica a questão investigada pelo teólogo Aquino: a aparente falta de lógica entre o investimento moral e o resultado de um bom destino de riquezas. Nesse sentido, o teólogo explica os caminhos da riqueza defendendo que, de um modo, a atribuição dos bens temporais para os ímpios acaba por condená-los ao afastamento da graça maior da salvação e que a ausência de tais bens é um reconhecimento divino pelo desmerecimento de graça para tais homens com reprováveis condutas; de outro modo, a vida de fortuna dada aos justos corresponde ao mérito por um comportamento exemplar (alinhado aos preceitos divinos) e a ausência de bens materiais para esses serve de aperfeiçoamento para o espírito no sentido de se prepararem para receber a dádiva e a felicidade maiores da salvação.